quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Na Estada: relatos de um designer social... 1

Pegando estrada para o local do trabalho, logo cedo já senti a temperatura da viagem: quente; céu aberto, sol forte e caatinga seca.
No mapa, dias antes, busquei o destino final da viagem, Angico dos Dias (nome bonito e que diz a razão de ser logo de cara), cidade próxima à divisa do estado da Bahia com Piauí, o que mostrava o quão distante seria a viagem. Pé na estrada, ou melhor, ‘bumbum no banco’, comecei a segunda etapa da jornada do projeto, começada no dia anterior a noite, quando sai de Salvador para chegar a Juazeiro pela manhã, dando tempo de tomar um refrescante banho com café, e seguir viagem, agora de carro, pois não haveria outra forma de chegar até lá.
Estrada boa no inicio, com asfalto novo, fruto do momento pré-eleições que o estado passava e quando se faz tudo de bom de uma vez só, parecia que o deslocamento seria suave, mesmo com o calor fora do carro. Fora do carro também se via as agruras da seca na caatinga (quase cerrado), com galhos secos de ausência de chuva por 3 anos, gado e bode magros que buscavam no meio da pista algo para comer vindo do balanço das caçambas que transportam grãos do Centro-Oeste para o litoral. Após uns 200km chegamos na Bahia ´real´, com estradas de chão. O cenário se completa enfim. Caatinga/cerrado seco, sol a pino, e poeira. Mas, faz parte!
Após uns 150 km assim, chegamos à comunidade destino, de Angico dos Dias, que embora fique no estado da Bahia, temos que ir pelo Piauí e depois fazer uma volta retornando à Bahia. Ao chegar, por volta das 14h, quase ninguém nas ruas, e, com o movimento do carro na cidade, estranho a todos, aos poucos janelas curiosas se abrem. Ao estacionarmos no local onde seria a reunião, apenas 3 pessoas nos aguardavam, e já imaginei que este longo trajeto acabaria sem resultados.
Aos poucos de todos os lados iam surgindo as pessoas, e após alguns minutos lá tinham aproximadamente 20 pessoas que formavam os grupos com os quais iria trabalhar. Algum momento de olhares curiosos entre todos e para aquele visitante que lá chegara, e, depois de feitas as apresentações, todas as pessoas já sabiam quem eu era, embora ainda tímidas, nada falavam. Nada anormal até ai. Uma breve dinâmica para descontrair e uma fala de nosso interlocutor, contextualizando a minha ida e logo algumas já arriscavam alguns comentários, com mais ênfase dos mais extrovertidos, como de costume.
Começava ali meu trabalho de extrair deles algo que pudesse me ajudar a entrar no universo distante de Angico dos Dias, universo este diferente de tantos outros que já tivera a chance de conhecer na imensidão que é o interior do nordeste. Naquela lógica de eu os primeiros momentos não se fala o que se pensa, mas o que se pensa querer ouvir (C.Rapaille), as primeiras falas eram pouco produtivas, mas aos poucos um ou outro comentário relevante surgia e nelas eu me apegava, tentando desenvolvê-la.
Ai é que entra uma atitude de saber ouvir, de curiosidade para com o novo, e que assim nos favorece, pois esta natural curiosidade do designer demonstra o real interesse naquela realidade natural para eles, mas nova e interessante para quem chega. Outra atitude é o posicionamento corporal que também auxilia no processo de aproximação em reuniões com curto espaço de tempo para troca de informações.
Após uma tarde (e um pouco da noite) a conversa havia rendido bons frutos e direcionamentos para que pudesse desenvolver in office e depois retornar para validar com eles, em outro momento. Após o encerramento, recebemos um convite para tomar um café com o pão de queijo típico do local estendeu a conversa, agora mais informal e com alguns membros do grupo. E sob o céu estrelado do cerrado, finalizamos o dia.
Ao amanhecer, com um dia azul e solar, fomos conhecer o local de produção do grupo, conforme combinado no dia anterior, e cumprido como reza a etiqueta interiorana. Depois, após um breve cafézinho, estrada de volta, seguindo o mesmo trajeto da vinda. Comentário no carro: “interessante como a volta é mais rápida”. Doce ilusão. Com a volta com um pouco menos de compromisso no horário, paradas para conhecer as localidades (e fazer compras), fizeram com que andássemos por 7 horas de carro, me restando ainda mais 8 horas de ônibus. E tudo isso por uma reunião de 4 horas, que para nós pode ser pouco, comparado com o deslocamento, mas para o grupo demonstrava a importância da fala deles no desenvolvimento do processo.
Retornando à nossa ´base´, voltamos a realidade de nosso cotidiano, ficando a lembrança da paisagem e da convivência com as pessoas de lá. E, óbvio, com o projeto a ser desenvolvido para depois validá-lo com o grupo em outro momento, tornando o processo verdadeiramente participativo.

PS.: o projeto foi validado com elogios do grupo, chegando a solução que eles queriam.

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