quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Na Estada: relatos de um designer social... 1

Pegando estrada para o local do trabalho, logo cedo já senti a temperatura da viagem: quente; céu aberto, sol forte e caatinga seca.
No mapa, dias antes, busquei o destino final da viagem, Angico dos Dias (nome bonito e que diz a razão de ser logo de cara), cidade próxima à divisa do estado da Bahia com Piauí, o que mostrava o quão distante seria a viagem. Pé na estrada, ou melhor, ‘bumbum no banco’, comecei a segunda etapa da jornada do projeto, começada no dia anterior a noite, quando sai de Salvador para chegar a Juazeiro pela manhã, dando tempo de tomar um refrescante banho com café, e seguir viagem, agora de carro, pois não haveria outra forma de chegar até lá.
Estrada boa no inicio, com asfalto novo, fruto do momento pré-eleições que o estado passava e quando se faz tudo de bom de uma vez só, parecia que o deslocamento seria suave, mesmo com o calor fora do carro. Fora do carro também se via as agruras da seca na caatinga (quase cerrado), com galhos secos de ausência de chuva por 3 anos, gado e bode magros que buscavam no meio da pista algo para comer vindo do balanço das caçambas que transportam grãos do Centro-Oeste para o litoral. Após uns 200km chegamos na Bahia ´real´, com estradas de chão. O cenário se completa enfim. Caatinga/cerrado seco, sol a pino, e poeira. Mas, faz parte!
Após uns 150 km assim, chegamos à comunidade destino, de Angico dos Dias, que embora fique no estado da Bahia, temos que ir pelo Piauí e depois fazer uma volta retornando à Bahia. Ao chegar, por volta das 14h, quase ninguém nas ruas, e, com o movimento do carro na cidade, estranho a todos, aos poucos janelas curiosas se abrem. Ao estacionarmos no local onde seria a reunião, apenas 3 pessoas nos aguardavam, e já imaginei que este longo trajeto acabaria sem resultados.
Aos poucos de todos os lados iam surgindo as pessoas, e após alguns minutos lá tinham aproximadamente 20 pessoas que formavam os grupos com os quais iria trabalhar. Algum momento de olhares curiosos entre todos e para aquele visitante que lá chegara, e, depois de feitas as apresentações, todas as pessoas já sabiam quem eu era, embora ainda tímidas, nada falavam. Nada anormal até ai. Uma breve dinâmica para descontrair e uma fala de nosso interlocutor, contextualizando a minha ida e logo algumas já arriscavam alguns comentários, com mais ênfase dos mais extrovertidos, como de costume.
Começava ali meu trabalho de extrair deles algo que pudesse me ajudar a entrar no universo distante de Angico dos Dias, universo este diferente de tantos outros que já tivera a chance de conhecer na imensidão que é o interior do nordeste. Naquela lógica de eu os primeiros momentos não se fala o que se pensa, mas o que se pensa querer ouvir (C.Rapaille), as primeiras falas eram pouco produtivas, mas aos poucos um ou outro comentário relevante surgia e nelas eu me apegava, tentando desenvolvê-la.
Ai é que entra uma atitude de saber ouvir, de curiosidade para com o novo, e que assim nos favorece, pois esta natural curiosidade do designer demonstra o real interesse naquela realidade natural para eles, mas nova e interessante para quem chega. Outra atitude é o posicionamento corporal que também auxilia no processo de aproximação em reuniões com curto espaço de tempo para troca de informações.
Após uma tarde (e um pouco da noite) a conversa havia rendido bons frutos e direcionamentos para que pudesse desenvolver in office e depois retornar para validar com eles, em outro momento. Após o encerramento, recebemos um convite para tomar um café com o pão de queijo típico do local estendeu a conversa, agora mais informal e com alguns membros do grupo. E sob o céu estrelado do cerrado, finalizamos o dia.
Ao amanhecer, com um dia azul e solar, fomos conhecer o local de produção do grupo, conforme combinado no dia anterior, e cumprido como reza a etiqueta interiorana. Depois, após um breve cafézinho, estrada de volta, seguindo o mesmo trajeto da vinda. Comentário no carro: “interessante como a volta é mais rápida”. Doce ilusão. Com a volta com um pouco menos de compromisso no horário, paradas para conhecer as localidades (e fazer compras), fizeram com que andássemos por 7 horas de carro, me restando ainda mais 8 horas de ônibus. E tudo isso por uma reunião de 4 horas, que para nós pode ser pouco, comparado com o deslocamento, mas para o grupo demonstrava a importância da fala deles no desenvolvimento do processo.
Retornando à nossa ´base´, voltamos a realidade de nosso cotidiano, ficando a lembrança da paisagem e da convivência com as pessoas de lá. E, óbvio, com o projeto a ser desenvolvido para depois validá-lo com o grupo em outro momento, tornando o processo verdadeiramente participativo.

PS.: o projeto foi validado com elogios do grupo, chegando a solução que eles queriam.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Projeto Território Produtivo Santa Maria

Projeto Território Produtivo Santa Maria

Quando se existe um potencial produtivo latente, e este é visto como algo sem valor, por que não o Design ser o agente potencializador deste processo.
Projeto de implantação de núcleo produtivo com catadores de resíduos sólidos no bairro de Santa Maria, Aracajú (SE).

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Pesquisas de Identidade Cultural / Cultural Identity Research



Pesquisa Interativa de Design para Comunidades Produtivas, ou como chamamos internamente, Pesquisa de Identidade Cultural é uma ferramenta que a overbrand desenvolveu, utilizando as diversas bases teóricas de pesquisa cultural, mas com um direcionamento para embasar futuras ações de desenvolvimento produtivo no território. Esta pesquisa tem como principal vetor a apreensão do contexto cultural, técnico e organizacional do núcleo produtivo e de seu contexto regional, de forma a termos um retrato real e profundo das relações existentes intra e extra grupo produtivo.
Utilizamos esta pesquisa quando a região onde será feito a ação possui alguma base cultural conhecida, mesmo sendo mínima, para com ela, conheçamos um pouco mais de como resgatá-la e agregá-la ao processo de trabalho que será desenvolvido, e assim, atingirmos alguns objetivos secundários, tais como:
·         Resgate e fortalecimento dos elementos culturais existentes na região e no local, permitindo que haja uma apropriação e/ou disseminação pela sociedade local.
·         Inserção do contexto cultural existente no desenvolvimento de ações convergentes com o perfil sócio-cultural da comunidade a ser trabalhada.
·         Inserção de elementos de base cultural nos produtos a serem desenvolvidos junto com a comunidade.
A Pesquisa de Identidade Cultural utiliza-se de ferramentas de pesquisa áudio-visual, pesquisa em fontes primárias e secundárias, iconográfica e bibliográfica, levantamento dos indicativos para intervenção na produção e de subsídios para elaboração de um plano de acompanhamento, e são sistematizadas e condensadas em um documento final que se soma ao Plano de Trabalho para ações de desenvolvimento produtivo e territorial.

Research Interactive Design for Productive Communities, or as we call it internally, Cultural Identity Research is a tool that overbrand developed using the various theoretical bases of cultural research, but with a direction to base future actions on the territory of productive development. This research has the main vector for the seizure of cultural, technical and organizational core production and its regional context, in order to have a real picture and deep relations existing intra and extra productive group.
We use this research as the region where the action is done has some cultural basis known, even if minimal, to her, a little more know how to redeem it and aggregate it to work process that will be developed, and thus achieve some secondary objectives, such as:
        Rescue and strengthening of cultural elements in the region and on site, allowing that there is an appropriation and / or dissemination by local society.
        Insertion of the existing cultural context in the development of convergent actions with the socio-cultural community to be worked.
        Insertion of basic cultural elements in products to be developed with the community.
The Cultural Identity Research uses of research tools audio-visual research in primary and secondary sources, iconographic and bibliographical survey of indications for intervention in production and subsidies for developing a monitoring plan, and are systematized and condensed in a final document which adds to the Work Plan for development actions productive and territorial.



quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Série Opções de Turismo Cultural: Almoço em Salinas

Almoço no sábado em Salinas das Margaridas. A moqueca pode não ser dos deuses, mas somado a vista (quase 180graus de vista para o mar) já dá um molho especial. Sem contar em ir percorrendo o litoral do Recôncavo por entre localidades como Mutá, Coqueiros, São Félix e Cachoeira. Boa pedida para um almoço fora do usual.
Lunch on Saturday in Salinas das Margaridas. The stew may not be gods, but added the view (almost 180 degrees of ocean view) already gives a special sauce. Not counting on going traveling the coast of Reconcavo among localities as Mutá, Coqueiros, São Félix and Cachoeira. Good choice for a lunch out of the ordinary.

domingo, 5 de agosto de 2012

Artigo: Contribuições do Design Social


Contribuições do Design Social: Como o Design deve atuar para o desenvolvimento econômico de comunidades produtivas de baixa renda.
Social design contribution: how design could act to increase economic development for low income productive communities.

Apresentação

Será que a base da pirâmide está realmente se tornando o principal foco das grandes corporações devido ao seu poder de consumo crescente? Ou eles estão criando um monstro (ou melhor, a consciência de um)?
Quando os detentores de um mínimo possível de capital tiverem consciência que mesmo o mais básico consumo é também influenciado pelas mesmas poderosas ferramentas decisórias utilizadas pelo marketing com os distantes objetos comercializados pelos do topo da pirâmide, não será mais possível uma ruptura ou uma revolta.
C.K.Prahalad[1] profetizou o poder da base da pirâmide, e aos poucos este poder toma seu lugar de direito. Agora cabe aos detentores de um conhecimento técnico e acadêmico gerar oportunidades para que este caminho aconteça sem problemas, adequando técnicas e metodologias antes privilégio de um seleto grupo de usuários consumidores.
Tratamos aqui de uma destas formas de fortalecer o desenvolvimento sócio-econômico de uma grande massa desprovidas de acesso às benesses contemporâneas que um pequeno grupo possui; a ferramenta, como preferimos definir, de Design.
Aqui apresentamos uma pequena contribuição na vasta discussão que atualmente tem-se iniciado sobre a aplicação do Design para solucionar problemas sociais, e que o consenso tem tratado sob a especificação de Design Social.

Introdução

Será o design uma área apenas vinculada ao desenvolvimento de produtos voltados ao mercado de consumo? Será que desenvolvemos apenas lixo? Haja vista a discussão constante de que o excesso do consumo acarretará a escassez de matérias primas e aumento de lixo no mundo.
Estas questões estão nas pautas das reuniões sobre desenvolvimento econômico e social, nos discursos dos desenvolvimentistas de políticas sociais, nos inúmeros eventos que tratam das questões de sustentabilidade. Uma questão tão discutida como preocupante por não haver parâmetros para definições de suas respostas.
Considerando tudo isto, percebemos o aparecimento de uma nova postura do design e seus representantes, principalmente da parte acadêmica destes, quando começamos a buscar meios de desenvolver produtos vinculados com estas, ainda não permanentes, diretrizes. Mas o fato é: começamos!
Produtos sociais, aqueles que estão engajados em uma cadeia produtiva que olha o lado humano em que está inserido, sem, contudo se abster de questões econômicas e de mercado, tem sido desenvolvidos em consonância com a criação de um mercado específico, denominado com vários termos, seja comércio justo, economia solidária, produto sustentável, etc.
De fato uma nova forma de consumir está sendo estabelecida na sociedade do século XXI. Um consumo consciente e preocupado se apresenta no nosso dia a dia. Falta apenas sair do discurso eloqüente e categórico para uma prática costumás.
Este é o desafio que o ´novo´ designer terá ao criar novos produtos, deixando de ter um aspecto especial para serem absorvidos no nosso dia a dia, fazendo assim parte de nosso cotidiano, sem que tenhamos que cogitar a distinção entre este ou aquele tipo de produto.

Desenvolvimento Sustentável

A busca da sustentabilidade através da geração de produtos inovadores ou da adequação de sistemas ou processos de melhoramento produtivo em comunidades de baixa tecnologia e alto valor cultural é uma das premissas mais utilizadas em projetos de geração de renda através da produção manufatureira.
Programas de desenvolvimento de tecnologias sociais e de fortalecimento de uma consciência empreendedora aplicados em grupos onde a necessidade primária circunda sobre temas como fome e sede, podem se tornar apenas experimentos teóricos e laboratoriais, com dispêndio de grandes somas financeiras, gerando falsas expectativas que culminarão, certamente, em futuras descrenças a novas outras interferências.
A descrença é outro ponto encontrado nos levantamentos de informações para subsidiar intervenções. Um exemplo é o distrito de Maracangalha, município de São Sebastião do Passe, onde se iniciou um projeto de implantação de um núcleo produtivo para se trabalhar a taboa, capim nativo da região e amplamente encontrado no local. Ao se levantar dados de grupos que são capacitados, muito se viu de uma atitude desconfiada, calejada de outras intervenções mal sucedidas. Esta percepção gera um reforço maior para o momento inicial, pois se deve mostrar o desvínculamento com os malfadados projetos, o que aumenta os custos de implantação e desenvolvimento de projetos.
Algumas questões surgem quando nos defrontamos com tais cenários:
·         Por que não se consegue que a população social e economicamente desprovida veja nos produtos sociais representantes dos seus valores próprios?
·         Pulverizar as ações associativas para fortalecer uma ação global!
·         Há um gap entre a economia formal e a economia social. Condicionam-se empreendimentos de capital privado com empreendimentos sociais, com as mesmas regras.
Todas estas, e mais algumas outras questões são entraves para o sucesso das interferências sócio-econômicas, e as quais merecem uma atenção específica no seu estudo e solucionamento.
Pensemos, então, na palavra SUSTENTABILIDADE como um conceito sistêmico que se propõe a ser uma forma de condicionar a sociedade humana a planejar e agir de forma a preencher o vazio causado pelas necessidades sócio-culturais-ambientais-econômicas do mundo em que vivemos. Essa forma de condicionar a sociedade humana fica então baseada em quatro pilares: ser ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente aceito. E são nestes pilares que as novas intervenções têm buscado respaldo para aplicar as ferramentas de desenvolvimento de tecnologias sociais.

Design e Inovação

Rogers e Shoemaker (1971) definem inovação como ‘uma idéia, uma prática ou um objeto percebido como novo pelo indivíduo”. Usualmente, muitas inovações são frutos da experimentação prática ou da simples combinação de tecnologias existentes. Já o conceito de inovação social, entendido a partir do conceito de inovação, é o de um conjunto de atividades que pode englobar desde a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico até a introdução de novos métodos de gestão da força de trabalho, e que tem como objetivo a disponibilização por uma unidade produtiva de um novo bem ou serviço para sociedade. Este conceito engloba desde o desenvolvimento de uma máquina até um sistema de processamento de informações ou de gestão de instituições. (DAGNINO, 2004 e SILVA, 2004)
Inovações de processo referem-se a formas de operação tecnologicamente ou substancialmente aprimoradas, obtidas pela introdução de novas tecnologias de produção. Os resultados das inovações de processo devem alterar significativamente o nível de qualidade do produto ou dos custos de produção e entrega. Em outro caminho, vemos também o desenvolvimento de métodos e tecnologias básicas, onde o processo de inovação encontra-se justamente na desvinculação com a alta complexidade tecnológica. E.F. Schumacher cunhou a expressão “tecnologia intermediária” para designar uma tecnologia que, em função de seu baixo custo de capital, pequena escala, simplicidade e respeito à dimensão ambiental, seria mais adequada aos países pobres (ALMEIDA e ANDRIONI, 2007). E o Manual de Oslo (1997) define como “inovação não-tecnológica” todas as atividades de inovação que são excluídas da inovação tecnológica.
Seja qual for o modelo tecnológico (ou sua denominação!) devemos encarar este processo de desenvolvimento sócio-econômico, utilizando-se elementos e ferramentas inovadoras, de forma natural e benéfica, pois como toda inovação, participar-se-á de um processo, uma cadeia linear onde a pesquisa científica segue a tecnológica, o desenvolvimento econômico e depois o social, e onde a participação comunitária no processo decisório será a definidora de seu sucesso.
Conceito de Design
É necessário de antemão que nos embasemos conceitualmente nas diversas vertentes que interferem no processo de inovação para que assim possamos definir novos caminhos a serem adotados pelas demandas insurgentes.
No que concerne o processo de inovação produtiva, uma ferramenta se apresenta como uma possibilidade; Design, “(...) atividade na qual idéias ou exigências de mercado são dados para especificar uma forma física, começando desde os esboços iniciais ou conceitos, através do desenvolvimento de um protótipo, até os desenhos e especificações detalhadas (...)” (BENAVIDES, 1999).
Um novo conceito de produto é determinado em função da identificação e especificação da oportunidade de mercado. Conforme BAXTER (1998), os princípios do desenvolvimento destes novos produtos são viabilidade e especificação, projeto e desenvolvimento, engenharia de produção, fabricação e vendas. Já LÕBACH (1981) sustenta a teoria de que o processo de design de produto é um processo de solucionar problemas.
Da mesma forma, DORFLES (1978) e JONES (1978) enfatizam que a meta deve ser a compreensão clara do problema, para então trabalhar a solução de modo a ser percebida pelo consumidor, seguindo uma seqüência linear de etapas (YAIR , 1999). Dependendo do olhar, pode-se perceber que as ações que compõem um método de trabalho são ações que funcionam em rede, de forma quase simultânea, onde em cada etapa do ciclo metodológico de projeto de produto, prevalece um conjunto de critérios específicos a um objetivo específico. A flexibilidade é outra característica importante neste segmento produtivo (DORFLES, 1978; YAIR, 2001)
Como podemos observar uma linha transversal cruza todos estes conceitos; o processo pragmático de análise de problemas e geração de soluções. A principal questão é se este pragmatismo pode ser aplicado também em áreas onde os problemas não são tão objetivos como um simples defeito corrigido na engenharia de produção.
Utilização de Projetos de Design
O Design está inserido no nosso cotidiano e muitas vezes não o é percebido. Toda vez que abrimos nossa geladeira nos deparamos com Design puro, desde a própria geladeira a todos os produtos que ali contém. Cada vez mais o Design é importante e essencial para sustentação e reconhecimento de produtos no mercado. Ele deve trabalha consciente de sua responsabilidade social e ecológica, utilizando as ferramentas do mercado para desenvolvimento de produtos como um todo. Suas ações não são por mero acaso, partem de pesquisa e construção de conceitos até chegar ao produto final.
O Design está em constante mudança por ser a principal ferramenta de competitividade das empresas na atualidade. Peter Drucker[2] observa que a primeira tarefa de uma empresa é criar consumidores, e o Design é justamente o elo entre as empresas e estes consumidores.
Em recente pesquisa com objetivo de entender a percepção dos empresários brasileiros para o que é Design, e se estes identificam sua importância, verificou-se que há um direcionamento deste entendimento para o desenvolvimento de produtos e marcas e sua relação com a funcionalidade e estética. Isto indica que embora a maioria das empresas tenha uma clareza do conceito de Design mais de um terço delas possui um referencial inadequado para o conceito. Considerando que a disciplina surgiu para suprir as necessidades de um mercado novo criado pela Revolução Industrial, onde havia produtos com qualidades e distribuições semelhantes, precisando assim ter diferenciação em outros aspectos, sendo que o principal foi o desenvolvimento de marcas e rótulos para o reconhecimento instantâneo do consumidor. Ou seja, percebe-se que Design é também a construção de marcas como era no princípio, o que provavelmente está vinculada fortemente à idéia de que esta era uma forma eficiente de garantir ao longo dos anos a fidelização dos consumidores.
Design na verdade é um pouco mais, não se concentrando apenas no seu produto fim. A disciplina está envolvida desde o processo decisório de desenvolvimento e inserção de algum produto (ou serviço) no mercado consumidor, principalmente no que concerne “planejamento” e “organização geral, por meio de uma configuração especial” (HAUG, 1997). E é neste contexto que o Design interfere no processo de geração de novas soluções, no que chamamos de processo de inovação (DAGNINO, 2004 e SILVA, 2004), tendo como principais objetivos: otimização de custos; melhoria de processos produtivos; desenvolvimento de novos produtos; aprimoramento ou desenvolvimento da comunicação; e criação de um ambiente propício para desenvolvimento de novos produtos (Gráfico 1).

Design Social: conceituação

Como uma evolução, a disciplina tem se especializado em atuação com projetos sociais, o que demanda mudança de algumas posturas e objetivos, não tão visíveis e palpáveis quanto o desenvolvimento de um produto industrial.
Podemos conceituar, assim, Design Social como um aprimoramento do processo de inovação utilizando-se as ferramentas interdisciplinares de Design, e cujos objetivos podem ser sistematizados da seguinte forma: conscientização social; inserção no mercado; melhoria de processo; desenvolvimento de novos produtos; e valor agregado. Tendo como significação primordial o apelo à responsabilidade social do profissional executor da interferência, bem como o dimensionamento econômico e social de seu trabalho, em âmbitos diversos, tais como Design de produto, de serviços e de sistemas.
Segundo a Design21 Social Design Network, rede de design social filiada a Unesco, “Design Social é aquele Design que engrandece o bem, onde o bom Design é usado para um grande propósito. A rede crê que a real beleza do Design implica no seu potencial de melhorar a vida. Este potencial primeiramente manifesta-se com uma série de decisões as quais resultam em uma série de conseqüências. A prática do Design Social considera estas decisões de grande valor, entendendo que cada passo no processo de Design é uma escolha que se perpetua em nossa comunidade, no mundo e na vida cotidiana. Estas escolhas são os resultados de idéias construídas, largas discussões e, mais importante, o desejo de se fazer o bem. Design Social é Design para todos nós”.
O foco principal de todo o processo é a pessoa, o cidadão. Para que tal foco seja atingido, o processo deve ser de todo participativo. Em uma descrição sistemática do processo (Grafico 2) notamos que o que diferencia do Design Social do processo de desenvolvimento de produtos é a participação do grupo produtor no processo não apenas como força de trabalho (WEBER, 2004) mas como capital pensante, responsável e tomador de decisões.
Neste processo participativo de tomada de decisões, é necessário que se mantenha coerente com os três principais pilares do Design Social (Gráfico 3). Primeiro manter o foco no cidadão, seja ele participante do processo produtivo, seja ele agente influenciador ou influenciado pelos resultados deste processo. Inserir os principais agentes sociais deste processo nas tomadas de decisões, compartilhando responsabilidades e benesses. E ter como objetivo fim a inclusão de todos estes agentes envolvidos, produtiva, social ou economicamente.
Gráfico: Pilares do Design Social
Foco > Cidadão
Estratégia > Processo Participativo
Objetivo>Inclusão
Na construção de um processo participativo, mas que seja também eficiente, devemos ouvir também outro agente envolvido, o consumido final. Para isto levamos em conta leituras atuais e futuras de como estes se apresentam (apresentarão), e estas leituras são feitas através das tendências sociais.
Em recente artigo (ISTOÉ, DEZ/2008) sobre as tendências que influenciarão os modelos de consumo, observamos que os principais movimentos dizem respeito ao meio ambiente, as novas exigências do consumidor e a diversidade como objetivo.
A discussão da sustentabilidade ambiental versus necessidade de consumo, discussão bastante em voga e de grande importância, nos remete a prioridade ao desenvolvimento sustentável/perdurável, conceito iniciado em 1987 com o informe da Comissão Brundtland [“satisfaça as necessidades das gerações presentes sem comprometer as possibilidades das do futuro para atender suas próprias necessidades”] (Fórum Internacional de Design Social, 2007). E o Design ai se apresenta como articulador da relação produção / economia / bem-estar / ambiente.
O consumidor hoje além de estar mais exigente, inicia um processo de consciência de suas ações relacionadas com o consumo. E com o processo da globalização, esta consciência se amplia a todos os cantos e faixas sociais, com consumidores buscando produtos de qualidade, feitos com métodos sustentáveis, seguros para as pessoas e limpos para o planeta.
Assistimos também o desenvolvimento do conceito de comércio justo melhorando as condições de trabalho e vida dos produtores, especialmente nos países em desenvolvimento, reduzindo a exploração de crianças e mulheres. A ética surge como elemento distinto da etiqueta do produto. (Fórum Internacional de Design Social, 2007)
Aliado às novas exigências dos consumidores, não serem enquadrados como standarts, almejam diferenciação e principalmente personalização dos produtos (e serviços) consumidos. A diversidade se apresenta como mais uma tendência dos novos produtos, e o Design, penetrando neste processo de diferenciação, agrega novos valores aliando identidade aos produtos, identidade esta oriunda do olhar para o ser humano (usuário), para o seu entorno (meio ambiente) e para sua história (cultura).
Atuação do Design Social
Há uma profusão de interferências visando o desenvolvimento sócio econômico da população de baixo poder econômico e com difícil acesso a informação. Diversos destes projetos possuem um mesmo discurso metodológico e teórico, mas, de maneira geral, o que se vê é uma mesmice na sua intervenção prática.
O Design Social entra como um diferenciador nestas interferências, já que seu modo de ver as problemáticas, holística e ao mesmo tempo pragmática, possibilita sua fragmentação e conseqüente elucidação. Outro diferencial é o seu vínculo com o viés criativo, onde as fórmulas de resolução de problemas encontram possibilidades diversas e quase sempre únicas.
Hoje se tem visto uma atuação predominantemente no campo do Artesanato, mas ainda podemos expandir sua atuação para os setores como Movelaria, Arquitetura/urbanismo, Decoração e Moda. Para isso, ainda são necessários esforços no aprimoramento nesta atuação, principalmente no que concerne a mensuração do real retorno econômico que se tem, da forma com que esta diversidade de segmentos econômicos atua e na compreensão das possibilidades de resultados que estas ações possibilitarão aos participantes.
Com relação a sua forma de atuação, podemos definir alguns formatos de intervenção, tais como:
-         Possibilitar às comunidades produtivas em regiões de dificuldade sócio-econômica acesso ao mercado.
-         Design como articulador do conhecimento tácito ao mercado ávido por novidades.
-         Inserção de novas tecnologias (sociais, empresariais ou produtivas) ou resgate de técnicas tradicionais no processo de desenvolvimento de novos produtos.
-         Desenvolvimento de ferramentas de divulgação e promoção.
-         Oportunizar um ambiente propício ao desenvolvimento produtivo.
Para grupos produtivos com dificuldade de acesso aos grandes centros de consumo e às facilidades geradas pela proximidade com os pólos tomadores de decisão, a ferramenta do Design deve funcionar como um articulador das necessidades do mercado consumidor e as potencialidades inerentes de produtos com alta carga cultural, manifesta ou latente.
Tratando especificamente da realidade brasileira, dada a riqueza de nossa cultura (material ou imaterial), é possível gerar uma diversidade tamanha de novos produtos, utilitários ou decorativos, encarando ai produto como um elemento a ser comercializado gerando retorno econômico e reconhecimento ao grupo produtivo, sem que se descaracterizem suas realidades sócio-culturais, e vinculando-as a novos segmentos econômicos.
Este é um movimento ainda novo, mas já em prática, que merece atenção no desenvolvimento do Design. Uma série de questões ainda está presentes para serem geradoras de soluções, principalmente no campo do relacionamento interpessoal e das irregularidades que cada grupo possui no que concerne a seus interesses e receios no que tange as intervenções sofridas ou a sofrer.
Na prática, o que temos visto é uma aplicação de conceitos e metodologias voltados para o segmento industrial, o que gera alguns atritos no processo de desenvolvimento de produtos com um viés mais social ou comunitário, geralmente de cunho manufatureiro. Alguns dos aspectos que mais dificultam o sucesso das intervenções produtivas em comunidades interioranas ou socialmente vulneráveis são:
-         dificuldade na consciência empresarial e empreendedora, necessária para o sucesso de qualquer empreendimento de cunho comercial, mesmo que em um ambiente socialmente responsável;
-         necessidade de lideranças entre os participantes do grupo, ou fomento de tal perfil, visando a continuidade das metas e objetivos estipulados em conjunto;
-         excesso de abstracionismo nas intervenções e capacitações motivadoras, sendo necessário o uso de instrumentos e ferramentas palpáveis;
-         falta de monitoramento após as intervenções para correção de possíveis desvios de rumo, comum em processos participativos;
-         escassez de canais de comercialização de produtos socialmente responsáveis, ampliando o share de consumo destes;
-         desenvolvimento de duas linhas de produtos, uma para o mercado local/regional (tecnicamente mais simples) e uma para o mercado de “valor agregado” (mais elaborado e com inserção de outros elementos contemporâneos), possibilitando a sustentabilidade do grupo independente da sazonalidade do consumo dos seus produtos;
Estes são alguns aspectos, entre outros, encontrados em intervenções de aprimoramento em grupos produtivos realizadas no Brasil, o que nos subsidia de informações para discutir possíveis soluções para problemáticas encontradas no processo, pois, como foi dito anteriormente, é um processo complexo, porém sistemático.
A atuação de desenvolvimento de produtos sociais tem gerado frutos através dos grupos que já atingiram maturidade comercial e se tornaram auto-sustentáveis, após longos períodos de ajustes. Cabe agora aos designers ampliar sua atuação a outros grupos, bem como diminuir os longos períodos de ajustes, evitando desperdício de tempo e recursos, e oportunizando efetivamente o retorno do seu trabalho à sociedade.

Conclusão

O que vemos enfim é um caminho sem volta, onde o que hoje chamamos de inovação, tenderá a se tornar um padrão, um processo natural. A sociedade toma consciência de suas possibilidades como cidadão, consciência esta que vem atingindo uma dimensão exponencialmente alta e crescente. E o Design Social aparece como uma opção para apoiar esta tomada de consciência.
Há alguns anos temos visto como tópico das tendências anuais descritas pelos principais estudiosos em planejamento e percepção, o de respeito ao meio ambiente e ao ser humano, seja através do seu bem-estar, seja pela inclusão social e econômica, ou por outros viéses. Pois se estas temáticas estavam sendo vistas como tendências, agora se tornam parte de nossa realidade através da inserção nas diretrizes coorporativas e comerciais de desenvolvimento de produtos responsáveis e conscientes de sua função social.
Não teremos mais um design de produto voltado exclusivamente para a engenharia industrial, sem comprometer a relação do produto com o meio ambiente, ou um fashion design sem a interferência da responsabilidade fabril no que concernem os direitos dos trabalhadores. Isto apenas se tratarmos da área de desenvolvimento de produtos. Se olharmos para a gestão de projetos, a comunicação, o sistema logístico e de comercialização, enfim, todas as áreas que permeiam a inserção sócio-econômica do cidadão, veremos o quanto evoluímos desde as sombrias manufaturas dos idos oitocentistas.
Espaços de discussão se criam a cada momento, iniciativas institucionais ampliam suas ações em número e formato, verbas são disponibilizadas para desenvolvimento de estudos e projetos, enfim, estamos em um momento propício para o segmento do Design, demonstrando-o como ferramenta eficiente não só agregação de valor, mas também de viabilização de segmentos produtivos no nosso país. E nós, Designers, não devemos deixar esta oportunidade passar, calando-nos em nossos estúdios, elucubrando formas e formatos de novos produtos, esquecendo do papel social que, agora, todos devemos ter.
Sim, há muito a fazer, mas não podemos ficar apenas na retórica discursiva e panfletária. Devemos olhar para o que já construímos, valorizando e contribuindo de forma positivamente crítica, para ai sim termos algo concreto gerando soluções para as comunidades. E estas deixarão de apenas frequentar reuniões de discussão ou capacitação em busca dos títulos certificadores, expressando algo do tipo: ´sim, e ai, quando é que eu vou ganhar meu dinheiro!´, para incorporarem o processo de inovação produtiva à sua cultura, harmonizado com o resgate e a preservação da cultura tradicional de suas localidades.

Bibliografia

BAXTER, Mike. Projeto de Produto: Guia prático para o design de novos produtos (2ª edição). Ed. Edgard Blucher: São Paulo, 2003.
BENAVIDES, Puerto Henry. Design e Inovação Tecnológica: coletâneas de idéias para construir um discurso. IEL/FIEB: Salvador, 1999.
HAUG, W.F. Crítica a estética da mercadoria – São Paulo: UNESP, 1997.
Manual de Oslo – Proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. OCDE / FINEP, 1997.
TIGRE, Paulo Bastos. Gestão da Inovação: a economia da tecnologia do Brasil – Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2004.
DAGNINO, R. (2004). A tecnologia social e seus desafios. In: Tecnologia social. Uma estratégia para o desenvolvimento. Fundação Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2004.
Artigos
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ALMEIDA, D. A. e ANDRIONI, J. . A importância da tecnologia social para o desenvolvimento do terceiro setor na mesorregião serrana catarinense com ênfase na microrregião de curitibanos -SC. In: I Encontro de Economia Catarinense, 2007, Rio do Sul. Encontro de economia catarinense desenvolvimento regional e sustentável. Florianópolis : FAPESC, 2007
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Sites
Design21 Social Design Network - http://www.design21sdn.com/, acesso em 12/2/2009.
Fórum Internacional de Design Social - http://designinforma.blogspot.com/2007/10/frum-internacional-design-social.html, acesso em 12/2/2009.


[1] Coimbatore Krishnarao Prahalad, ou C.K. Prahalad, como é conhecido, é um indiano-americanizado, doutor em Administração por Harvard, e considerado, atualmente, o mais influente pensador do mundo dos negócios. É autor de The multinational mission: balancing local demands and global vision e do best-seller Competindo pelo futuro, escrito com Gary Hamel e publicado em 20 idiomas. O futuro da competição e A riqueza na base da pirâmide também se tornaram rapidamente grandes sucessos de vendas, e são algumas das suas obras mais recentes.
[2] Peter Drucker, filósofo e economista de origem austríaca, é considerado por todos o ´pai´ da gestão moderna, sendo o mais reconhecido dos pensadores do fenômeno dos efeitos da Globalização na economia em geral e em particular nas organizações.

Artigo: Cenarte, solução de escoamento de produção territorial


Cenarte: solução de escoamento de produção territorial
Cenarte: solution for disposing of territorial production

Introdução


Um dos principais gargalos das intervenções de desenvolvimento produtivo em grupos artesanais é o processo de escoamento e comercialização. O consenso geral é que isto se deve aos inúmeros intermediários existentes entre o produtor e o consumidor. Embora uma análise mais precisa aponte para uma conjunção de fatores que tornam pouco eficiente o escoamento e comercialização da produção artesanal. Tendo em vista este cenário, na região central do estado da Bahia foi implantada uma estrutura objetivando a abertura e fortalecimento do acesso a mercado aos produtos artesanais do território sisaleiro, o Centro de Artesanato e Arte Popular do Território do Sisal - CenarteSisal.
Este documento visa descrever o processo de planejamento, desenvolvimento e implantação desta estrutura, desde a requalificação de sua função original até a construção participativa do modelo de sua gestão, passando pela identificação, formação e integração dos grupos produtivos, capacitação técnica e desenvolvimento de uma coleção de produtos, reunindo identidade local e apelo de mercado finalizando com a constituição do grupo gestor para manutenção da instituição. Todo este processo foi realizado tendo como base ferramental o design social, que se pôs atento às problemáticas políticas naturais em processos de capacitação de grupos produtivos de base comunitária, porém procurou isenção para a sua atuação.

Objetivo

Este documento visa a descrever o processo de planejamento, desenvolvimento e implantação da estrutura descrita anteriormente, desde sua requalificação até a construção participativa do modelo de gestão, passando pela identificação dos novos grupos produtivos, sua capacitação técnica, o desenvolvimento de uma coleção de novos produtos, finalizando com a constituição do grupo gestor da instituição. Todo este processo foi realizado tendo como base ferramental do design social, que se posicionou isento quanto a problemática política por vezes presentes em processos de capacitação de grupos produtivos de base comunitária. A sistematização deste processo possibilitará o desenvolvimento de metodologias similares em outras regiões que possuam um mesmo perfil sócio-produtivo, facilitando seu caminhar e gerando resultados de forma mais célere.

Contexto Territorial

O CENARTESisal foi criada pelo IDRSisal – Instituto de Desenvolvimento da Região Sisaleira, e está situado na cidade de Valente (BA), a 400km de Salvador, e região referência na produção de sisal no Brasil. Inicialmente foi idealizado e proposto pelo IDRSisal para ser um organismo inteiramente dedicado à consolidação da produção artesanal, como uma alternativa de desenvolvimento sócio-econômico na região, em função da vocação da população local e a importância da sua grande produção de peças artesanais. Cabe aqui uma ressalva onde o termo regional se aplica não só a questões territoriais, onde delimitamos este espaço geográfico através do critério produtivo. (p.32, BAPTISTA, 1979)
Tem também como objetivo maior dar apoio a estruturação do Arranjo Produtivo Local do Sisal e consolidar o artesanato como uma alternativa de desenvolvimento sócio-econômico nos municípios de Valente, Retirolândia, São Domingos, Santa Luz e outros municípios do território do Sisal. Para isto, o CENARTESisal vem a inserir tecnologias para agregar valor ao produto artesanal, contemplando de forma objetiva a capacitação profissional, a intensificação da atividade artesanal, o resgate cultural e artístico, o desenvolvimento produtivo, o aumento do grau de comercialização e a promoção da elevação e inclusão social dos agentes envolvidos. Além de estimular e promover a cooperação regional e transnacional na área do artesanato, através do apoio a grupos, cooperativas e associações de artesanato nas áreas de: organização e aumento da capacidade produtiva; concepção de produtos inovadores, com integração de design; identificação de formas alternativas de escoamento dos seus produtos; e promoção e comercialização do artesanato a nível nacional e transnacional.
Uma constante no perfil dos grupos artesanais é a descrença em projetos e processo de planejamento, aliado a falta de apelo da renda inicial resultante destes processos em tempos de bolsas de auxilio. Novas formas de mobilização se mostraram necessárias levando-nos a buscar referencias nos antigos arranjos de produção locais, modelos de produção que nos remetem a organização pré fordista, tornando o cenário de produção artesanal um laboratório dinâmico e atual de formas organizativas de produção. 
No ano de 2009 o IDRSisal, através de editais do Governo Federal, iniciou um projeto de organização e melhoria produtiva com a inserção de design em comunidades produtivas artesanais gerando benefícios sociais e econômicos. Através disto, criou-se um organismo que fortaleça as relações intra-cooperativas e as relações comerciais com os agentes de mercado externos (regionais, nacionais e estrangeiros), preenchendo a lacuna existente na região de potencializar o acesso a mercado dos produtos existentes na região sisaleira através da implantação de uma estrutura de cooperação entre os atores, onde cada qual tem seu papel no eixo propulsor de desenvolvimento econômico local. Esta intervenção atuou na reunião de artesãos individuais e grupos produtivos de diversas tipologias, introduzindo o processo de contextualização cultural aliada a análise de demanda com a elaboração de coleção e desenvolvimento de novos produtos.
Foi também remodelado a estrutura de showroom do CENARTESisal, situado na entrada da cidade de Valente, possibilitando promoção e comercialização externa para os grupos da região, além de criar um equipamento que potencializa o eixo turístico regional, ainda incipiente. Ferramentas e conceitos de marketing foram empregados na elaboração do layout para que a gestão do espaço se configurasse em um espaço de comunicação e de gestão que refletisse as necessidades de e mercadológica dos produtos expostos. São conteúdos novos no meio e como todo processo de mudança, referenciais iniciais e simbólicos são necessários para marcar e alavancar esta alteração de status quo, e a renovação do CENARTESisal tem também este papel, demonstrando sue interesse em renovar sua atuação para um ator do desenvolvimento regional.

Problemática Inicial

Como todo processo de intervenção em comunidade, parte-se da análise do seu contexto para a realização de um planejamento geral, e nesta análise de contexto, devemos perceber as possíveis problemáticas encontradas, e delas a definição das melhores estratégias de resolução.
No caso do contexto apresentado anteriormente, onde temos uma região cujo contexto histórico-produtivo remonta décadas, também o contexto político se encontra de forma bem presente. Embora em qualquer intervenção de desenvolvimento social, aqui desenvolvimento definido como um processo macro-sociológico, caracterizado por mudanças qualitativas das condições vigentes em uma sociedade (p.15, BAPTISTA, 1979), deva permear as discussões políticas, no seu sentido mais puro da palavra, esta seara tem aqui um peso maior. Principalmente no que concernem as discussões intergrupais, essenciais para a ampliação dos resultados em um nível territorial.
A ação de consultoria junto ao CENARTESisal procurou permear por este tema de forma indireta, acreditando que as ações devem acontecer no âmago da questão sócio-produtiva, para assim não se perder nas mudanças políticas e partidárias. Com isso evita-se um maior envolvimento, ou como o psicanalista Heinz Kohut conceituou, buscou-se a “experiência-distante”, onde não se aprofunda nas ´miudezas´ deste emaranhado de relações. (p.88, GEERTZ, 2009)
Com o não envolvimento nas discussões das questões políticas regionais, procurou-se reforçar a existência de uma falta de interlocução entre as entidades representativas no território, e com isso um enfraquecimento dos resultados esperados nas diversas ações realizadas, outro problema encontrado e descrito mais abaixo. A falta de interlocução pôde ser amenizada através da inserção de um agente externo, não-nativo, e cujo papel principal é de desenvolvedor de um quadro produtivo eficiente.
O designer entra neste processo com um papel que vai além do de desenvolver produtos, e passa agora a fortalecer relações, relações estas essenciais para o fortalecimento produtivo deste território, e aqui considerando a definição de Weber, que se apóia sobre um ajuste de interesse motivado racionalmente (p.47, BAPTISTA, 1979) embora levando-se em conta a importância da questão subjetiva e o contexto cultural inerente àquela determinada comunidade.
No decorrer das intervenções, pode-se observar que diversas outras iniciativas se apresentavam de forma a haver uma superposição de atividades, estas, na maioria das vezes, similares o que ocasionava um desgaste junto às comunidades produtivas por só receberem benefícios de capacitação, concentrando apenas no saber e não no produzir. Percebe-se ai também uma falta de interlocução institucional em um nível estadual e nacional, pois são ações provenientes de órgãos do governo estadual, através das secretarias de desenvolvimento social, e do governo nacional, através dos editais de fomento social e produtivo, aos quais as cooperativas individualmente podem ter acesso. Algumas destas ações focam especificamente no melhoramento produtivo objetivando a inserção mais eficiente deste tipo de produto no mercado (SEBRAE, 2006; CIAGS, 2011). A questão que nos deparamos é se estas ações são eficientes ou apenas ilusórias, ao crer que o mercado por si criará uma consciência da qualidade e do valor destes produtos, ainda mais quando elas concentram-se apenas no implantar conhecimento produtivo nas comunidades.

Papel do Design Social

O designer é por vezes visto e aplicado na conversão de idéias e requerimentos de mercado em forma física (PUERTO, 1999), onde o processo de inovação de produto fica evidente. Em um contexto mais contemporâneo o design tem sido aplicado na geração de idéias e ações que auxiliem no desenvolvimento social, seja através do uso mais consciente dos recursos de meio ambiente, seja pela conscientização pelo produtor do processo de desenvolvimento produtivo. O designer nestes processos deve atuar também como catalisador processual e agregador.
Com seu papel na maioria das vezes linear, o design deve flexibilizar-se para atender as inconstâncias da subjetividade de uma comunidade, conscientizando-se de que o resultado final será uma variante de sua intenção, e de que a comunidade deve absorver as propostas no ´seu tempo´.
O resultado do processo de intervenção em comunidades produtivas gera, além do beneficio de integração sócio-econômica, a geração de novos produtos. Estes, que aqui denominamos de produtos sociais, sendo produtos desenvolvidos em regime associativo ou cooperativo, com raízes na cultura local e seguindo conceitos de respeito a natureza e responsabilidade social, inerentes aos conceitos de Comércio Justo e Economia Solidária.
O design social surge com este olhar maior na relação processo-indivíduo, apoiando também no planejamento estratégico inicial e na sistematização do processo. No CENARTESisal, na etapa de definição estratégica inicial, foram levados em consideração os seguintes pontos: Entendimento do contexto; Comprometimento mútuo; Foco territorial; Diminuição da distância com o mercado; Processo de renovação produtiva constante. E durante todo processo de desenvolvimento das atividades de campo, foi, o designer, mediador de conflitos e delineador dos desvios do caminho traçado inicialmente. Não tão somente pelo fato de ser o detentor da expertise técnica, mas também por ser um agente externo e capaz de ter um olhar “distante”.

Desenvolvimento das Ações de Reestruturação / Estratégia adotada

Houve no processo de implantação do CENARTESisal quatro fases definidas inicialmente pela equipe de trabalho, sendo a primeira de estudo preliminar e análise diagnóstica, seguido da fase de planejamento participativo, da fase de implantação e capacitação, e da fase de acompanhamento e monitoramento. Nestas fases, ações foram executadas de forma tanto linear como sobreposta, a depender da necessidade de reforço de algum dos objetivos de cada etapa, sempre de forma a democratizar a circulação de informação, onde todos possam ter acesso aos objetivos desejados, bem como criando momentos de alinhamento para etapas posteriores.
A inserção dos elementos de identidade regional foi trabalhada logo de início, fortalecendo o vinculo existente entre produto e identidade cultural, hoje não só um agregador de valor de mercado, demonstrado pelo ´formidável desenvolvimento da dimensão econômica da cultura´ (LIPOVETSKY, 2011) através do fortalecimento do conceito de industria cultural.
Na fase de planejamento, iniciou-se a discussão sobre qual o melhor modelo de gestão para o CENARTESisal, através de reuniões temáticas e com a participação (ou pelo menos o convite para) de representante das associações produtivas da região, e que fariam parte deste processo de reestruturação. No modelo discutido e evoluído, definiu-se pela criação de um Comitê Gestor do equipamento, composto por representantes dos grupos e do IDRSisal. Este comitê faria a gestão do negócio e definiria sua operacionalidade, seguindo um estatuto discutido também de forma participativa e apoiado por um Conselho Consultivo formado por representantes de instituições apoiadoras e financiadoras com ação regional.

Conclusão

A necessidade de equipamentos que facilitem e potencializem o processo de escoamento de produtos sociais é um dos principais gargalos do desenvolvimento de associações e cooperativas artesanais e agro artesanais, pois estes dependem de agentes externos e infraestrutura apropriada para fazer seus produtos chegarem até o consumidor final. Não é a toa que o poder do mercado mudou de mãos, passando do produtor ao distribuidor, capaz de induzir a indústria a produzir o que elas querem.
Aos felizardos que conseguem se estruturar para preencher esta lacuna, surge o problema da sustentabilidade do negócio, da gestão estruturada para enfrentar as diversidades do varejo de produtos sociais que sentem de forma direta a competição dos produtos importados que inundam o mercado, sem que os representantes do comércio justo consigam construir um patamar de consumidores conscientes e solidários.
No CENARTESisal não foi (é) diferente. Surge a mesma dificuldade de se implantar um equipamento com este foco em um contexto territorial como já apresentado, acrescentando-se ai a necessidade de corpo executivo capacitado que sustente a evolução e manutenção da estrutura e sua estratégia inicial de atuação. A aproximação de um agente externo, integrante do corpo consultivo constante ou esporádico, é uma das soluções encontradas na tentativa de manter-se uma curva de evolução.
A também aproximação do design como uma ´atividade de especialista´ com as áreas de gestão e mercado são fundamentais para o sucesso de produtos artesanais (FORTY, 2007). Pode-se parecer contra censo a relação entre produtos que permeiam uma economia que prega o justo e respeito ao social, com o mercado de massa, mas tendência é real da cultura se aproximando do mercado através do fortalecimento da economia criativa. Para poder competir com igual força com os produtos industrializados e os importados, faz-se necessário uma maior profissionalização do processo como um todo.
Este documento tem por objetivo apoiar este processo, ao passo que sistematiza o histórico de um equipamento de tal importância situado em uma região de grande potencial produtivo, cujo desenvolvimento depende de um alinhamento institucional, que se não articulados, acabam desacreditando ações com a descrita neste documento, com foco estratégico multidisciplinar.
Podemos apresentar o CENARTESisal como um exemplo de inovação social, criando esta ponte direta entre produtores rurais e o mercado consumidor. Ainda há muito a se fazer, mas o primeiro passo foi dado, com segurança de que o caminho escolhido está correto, almejando aqui que esta trilha seja longa e repercuta positivamente na comunidade sisaleira no semi-árido baiano.

Referências

BAPTISTA, M.C. (1979). Desenvolvimento de Comunidade. Estudo de integração do planejamento do desenvolvimento de comunidade no planejamento do desenvolvimento global. Ed.Cortez&Moraes, SP.
FORTY, A. (2007). Objeto de desejo – design e sociedade desde 1750. Ed. Cisac Naify, SP.
GEERTZ, C. (2009). O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Ed.Vozes, RJ.
LIPOVETSKY, G & SERROY, J (2011). A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Ed. Cia das Letras, SP.
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BESTETTI COSTA, Mario; Designer, Pós-graduado em Comunicação com Mercado; Instituto de Design Social - IDS

REBOUÇAS LYRA, Rodrigo; Designer Especialista; Instituto de Design Social - IDS
rodrigorlyra@hotmail.com

sábado, 28 de julho de 2012

O verdadeiro sentido de crescimento econômico da sociedade

Em recente livro publicado (Nova Classe Média?), o economista Marcio Pochmann, Presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) fala da real mobilidade social que acontece no Brasil. Segundo ele esta mobilidade acontece principalmente na base da pirâmide social, com os trabalhadores de baixa renda, e que não tem adquirido as características de classe média.
A classe média tradicional tem o perfil de poupança e aquisição de bens de valor, ativos. Já a base populacional que se beneficiou com os incrementos econômicos promovidos pelo governo mantém-se ainda com uma renda baixa, pouca escolaridade, ocupação em serviços, e não possuindo ativos. Além de estarem bem voltados para o consumismo e o individualismo.
E mais ainda, sem uma visão ampla do movimento, de fortalecimento do coletivo, de organização política, ao contrário da década de 70 quando o processo de mobilidade social construiu instituições que se transformaram na base do processo de redemocratização do Brasil (associações de bairro, comunidades eclesiais, movimento estudantil, etc).
Um exemplo que o autor dá é o caso dos integrantes do ProUni, onde o segmento não integra os movimentos estudantis. Sendo orientadas para o mercado, conservadoras em valores e com anseios voltados para o consumo e a satisfação imediata.

(Fonte: Folha de São Paulo, 26/5/2012)