Cenarte:
solução de escoamento de produção territorial
Cenarte: solution for disposing of territorial production
Introdução
Um dos principais gargalos das intervenções de
desenvolvimento produtivo em grupos artesanais é o processo de escoamento e comercialização.
O consenso geral é que isto se deve aos inúmeros intermediários existentes
entre o produtor e o consumidor. Embora uma análise mais precisa aponte para uma
conjunção de fatores que tornam pouco eficiente o escoamento e comercialização
da produção artesanal. Tendo em vista este cenário, na região central do estado
da Bahia foi implantada uma estrutura objetivando a abertura e fortalecimento do
acesso a mercado aos produtos artesanais do território sisaleiro, o Centro de
Artesanato e Arte Popular do Território do Sisal - CenarteSisal.
Este documento visa descrever o processo de
planejamento, desenvolvimento e implantação desta estrutura, desde a
requalificação de sua função original até a construção participativa do modelo
de sua gestão, passando pela identificação, formação e integração dos grupos
produtivos, capacitação técnica e desenvolvimento de uma coleção de produtos,
reunindo identidade local e apelo de mercado finalizando com a constituição do
grupo gestor para manutenção da instituição. Todo este processo foi realizado
tendo como base ferramental o design social, que se pôs atento às problemáticas
políticas naturais em processos de capacitação de grupos produtivos de base
comunitária, porém procurou isenção para a sua atuação.
Objetivo
Este documento visa a descrever o processo de
planejamento, desenvolvimento e implantação da estrutura descrita anteriormente,
desde sua requalificação até a construção participativa do modelo de gestão,
passando pela identificação dos novos grupos produtivos, sua capacitação
técnica, o desenvolvimento de uma coleção de novos produtos, finalizando com a
constituição do grupo gestor da instituição. Todo este processo foi realizado
tendo como base ferramental do design social, que se posicionou isento quanto a
problemática política por vezes presentes em processos de capacitação de grupos
produtivos de base comunitária. A sistematização deste processo possibilitará o
desenvolvimento de metodologias similares em outras regiões que possuam um
mesmo perfil sócio-produtivo, facilitando seu caminhar e gerando resultados de
forma mais célere.
Contexto Territorial
O CENARTESisal foi criada pelo IDRSisal – Instituto de
Desenvolvimento da Região Sisaleira, e está situado na cidade de Valente (BA),
a 400km de Salvador, e região referência na produção de sisal no Brasil.
Inicialmente foi idealizado e proposto pelo IDRSisal para ser um organismo
inteiramente dedicado à consolidação da produção artesanal, como uma
alternativa de desenvolvimento sócio-econômico na região, em função da vocação
da população local e a importância da sua grande produção de peças artesanais.
Cabe aqui uma ressalva onde o termo regional se aplica não só a questões
territoriais, onde delimitamos este espaço geográfico através do critério
produtivo. (p.32, BAPTISTA, 1979)
Tem também
como objetivo maior dar apoio a estruturação do Arranjo Produtivo Local do
Sisal e consolidar o artesanato como uma alternativa de desenvolvimento
sócio-econômico nos municípios de Valente, Retirolândia, São Domingos, Santa
Luz e outros municípios do território do Sisal. Para isto, o CENARTESisal vem a
inserir tecnologias para agregar valor ao produto artesanal, contemplando de
forma objetiva a capacitação profissional, a intensificação da atividade
artesanal, o resgate cultural e artístico, o desenvolvimento produtivo, o
aumento do grau de comercialização e a promoção da elevação e inclusão social
dos agentes envolvidos. Além de estimular e promover a cooperação regional e
transnacional na área do artesanato, através do apoio a grupos, cooperativas e
associações de artesanato nas áreas de: organização e aumento da capacidade
produtiva; concepção de produtos inovadores, com integração de design; identificação
de formas alternativas de escoamento dos seus produtos; e promoção e
comercialização do artesanato a nível nacional e transnacional.
Uma constante no
perfil dos grupos artesanais é a descrença em projetos e processo de
planejamento, aliado a falta de apelo da renda inicial resultante destes
processos em tempos de bolsas de auxilio. Novas formas de mobilização se
mostraram necessárias levando-nos a buscar referencias nos antigos arranjos de
produção locais, modelos de produção que nos remetem a organização pré
fordista, tornando o cenário de produção artesanal um laboratório dinâmico e
atual de formas organizativas de produção.
No ano de 2009 o IDRSisal, através de editais do
Governo Federal, iniciou um projeto de organização e melhoria produtiva com a inserção
de design em comunidades produtivas artesanais gerando benefícios sociais e
econômicos. Através disto, criou-se um organismo que fortaleça as relações
intra-cooperativas e as relações comerciais com os agentes de mercado externos
(regionais, nacionais e estrangeiros), preenchendo a lacuna existente na região
de potencializar o acesso a mercado dos produtos existentes na região sisaleira
através da implantação de uma estrutura de cooperação entre os atores, onde
cada qual tem seu papel no eixo propulsor de desenvolvimento econômico local. Esta intervenção atuou na reunião de artesãos
individuais e grupos produtivos de diversas tipologias, introduzindo o processo
de contextualização cultural aliada a análise de demanda com a elaboração de
coleção e desenvolvimento de novos produtos.
Foi também remodelado a estrutura de showroom do CENARTESisal, situado na
entrada da cidade de Valente, possibilitando promoção e comercialização externa
para os grupos da região, além de criar um
equipamento que potencializa o eixo turístico regional, ainda incipiente. Ferramentas
e conceitos de marketing foram empregados na elaboração do layout para que a
gestão do espaço se configurasse em um espaço de comunicação e de gestão que
refletisse as necessidades de e mercadológica dos produtos expostos. São
conteúdos novos no meio e como todo processo de mudança, referenciais iniciais
e simbólicos são necessários para marcar e alavancar esta alteração de status quo, e a renovação do
CENARTESisal tem também este papel, demonstrando sue interesse em
renovar sua atuação para um ator do desenvolvimento regional.
Problemática Inicial
Como todo processo de intervenção em comunidade,
parte-se da análise do seu contexto para a realização de um planejamento geral,
e nesta análise de contexto, devemos perceber as possíveis problemáticas
encontradas, e delas a definição das melhores estratégias de resolução.
No caso do contexto apresentado anteriormente, onde
temos uma região cujo contexto histórico-produtivo remonta décadas, também o
contexto político se encontra de forma bem presente. Embora em qualquer
intervenção de desenvolvimento social, aqui desenvolvimento definido como um
processo macro-sociológico, caracterizado por mudanças qualitativas das condições
vigentes em uma sociedade (p.15, BAPTISTA, 1979), deva permear as discussões
políticas, no seu sentido mais puro da palavra, esta seara tem aqui um peso
maior. Principalmente no que concernem as discussões intergrupais, essenciais
para a ampliação dos resultados em um nível territorial.
A ação de consultoria junto ao CENARTESisal procurou
permear por este tema de forma indireta, acreditando que as ações devem
acontecer no âmago da questão sócio-produtiva, para assim não se perder nas
mudanças políticas e partidárias. Com isso evita-se um maior envolvimento, ou
como o psicanalista Heinz Kohut conceituou, buscou-se a “experiência-distante”,
onde não se aprofunda nas ´miudezas´ deste emaranhado de relações. (p.88,
GEERTZ, 2009)
Com o não envolvimento nas discussões das questões
políticas regionais, procurou-se reforçar a existência de uma falta de
interlocução entre as entidades representativas no território, e com isso um
enfraquecimento dos resultados esperados nas diversas ações realizadas, outro
problema encontrado e descrito mais abaixo. A falta de interlocução pôde ser
amenizada através da inserção de um agente externo, não-nativo, e cujo papel
principal é de desenvolvedor de um quadro produtivo eficiente.
O designer entra neste processo com um papel que vai
além do de desenvolver produtos, e passa agora a fortalecer relações, relações
estas essenciais para o fortalecimento produtivo deste território, e aqui
considerando a definição de Weber, que se apóia sobre um ajuste de interesse
motivado racionalmente (p.47, BAPTISTA, 1979) embora levando-se em conta a
importância da questão subjetiva e o contexto cultural inerente àquela
determinada comunidade.
No decorrer das intervenções, pode-se observar que
diversas outras iniciativas se apresentavam de forma a haver uma superposição
de atividades, estas, na maioria das vezes, similares o que ocasionava um
desgaste junto às comunidades produtivas por só receberem benefícios de
capacitação, concentrando apenas no saber e não no produzir. Percebe-se ai
também uma falta de interlocução institucional em um nível estadual e nacional,
pois são ações provenientes de órgãos do governo estadual, através das
secretarias de desenvolvimento social, e do governo nacional, através dos
editais de fomento social e produtivo, aos quais as cooperativas
individualmente podem ter acesso. Algumas destas ações focam especificamente no
melhoramento produtivo objetivando a inserção mais eficiente deste tipo de
produto no mercado (SEBRAE, 2006; CIAGS, 2011). A questão que nos deparamos é
se estas ações são eficientes ou apenas ilusórias, ao crer que o mercado por si
criará uma consciência da qualidade e do valor destes produtos, ainda mais
quando elas concentram-se apenas no implantar conhecimento produtivo nas
comunidades.
Papel do Design Social
O designer é por vezes visto e aplicado na conversão
de idéias e requerimentos de mercado em forma física (PUERTO, 1999), onde o
processo de inovação de produto fica evidente. Em um contexto mais
contemporâneo o design tem sido aplicado na geração de idéias e ações que
auxiliem no desenvolvimento social, seja através do uso mais consciente dos
recursos de meio ambiente, seja pela conscientização pelo produtor do processo
de desenvolvimento produtivo. O designer nestes processos deve atuar também como
catalisador processual e agregador.
Com seu papel na maioria das vezes linear, o design
deve flexibilizar-se para atender as inconstâncias da subjetividade de uma
comunidade, conscientizando-se de que o resultado final será uma variante de
sua intenção, e de que a comunidade deve absorver as propostas no ´seu tempo´.
O resultado do processo de intervenção em comunidades
produtivas gera, além do beneficio de integração sócio-econômica, a geração de
novos produtos. Estes, que aqui denominamos de produtos sociais, sendo produtos
desenvolvidos em regime associativo ou cooperativo, com raízes na cultura local
e seguindo conceitos de respeito a natureza e responsabilidade social,
inerentes aos conceitos de Comércio Justo e Economia Solidária.
O design social surge com este olhar maior na relação
processo-indivíduo, apoiando também no planejamento estratégico inicial e na
sistematização do processo. No CENARTESisal, na etapa de definição estratégica
inicial, foram levados em consideração os seguintes pontos: Entendimento do
contexto; Comprometimento mútuo; Foco territorial; Diminuição da distância com
o mercado; Processo de renovação produtiva constante. E durante todo processo
de desenvolvimento das atividades de campo, foi, o designer, mediador de
conflitos e delineador dos desvios do caminho traçado inicialmente. Não tão
somente pelo fato de ser o detentor da expertise
técnica, mas também por ser um agente externo e capaz de ter um olhar
“distante”.
Desenvolvimento das Ações de Reestruturação / Estratégia adotada
Houve no processo de implantação do CENARTESisal
quatro fases definidas inicialmente pela equipe de trabalho, sendo a primeira de
estudo preliminar e análise diagnóstica, seguido da fase de planejamento
participativo, da fase de implantação e capacitação, e da fase de
acompanhamento e monitoramento. Nestas fases, ações foram executadas de forma
tanto linear como sobreposta, a depender da necessidade de reforço de algum dos
objetivos de cada etapa, sempre de forma a democratizar a circulação de
informação, onde todos possam ter acesso aos objetivos desejados, bem como
criando momentos de alinhamento para etapas posteriores.
A inserção dos elementos de identidade regional foi trabalhada
logo de início, fortalecendo o vinculo existente entre produto e identidade
cultural, hoje não só um agregador de valor de mercado, demonstrado pelo
´formidável desenvolvimento da dimensão econômica da cultura´ (LIPOVETSKY,
2011) através do fortalecimento do conceito de industria cultural.
Na fase de planejamento, iniciou-se a discussão sobre
qual o melhor modelo de gestão para o CENARTESisal, através de reuniões
temáticas e com a participação (ou pelo menos o convite para) de representante
das associações produtivas da região, e que fariam parte deste processo de
reestruturação. No modelo discutido e evoluído, definiu-se pela criação de um
Comitê Gestor do equipamento, composto por representantes dos grupos e do
IDRSisal. Este comitê faria a gestão do negócio e definiria sua
operacionalidade, seguindo um estatuto discutido também de forma participativa
e apoiado por um Conselho Consultivo formado por representantes de instituições
apoiadoras e financiadoras com ação regional.
Conclusão
A necessidade de equipamentos que facilitem e
potencializem o processo de escoamento de produtos sociais é um dos principais
gargalos do desenvolvimento de associações e cooperativas artesanais e agro
artesanais, pois estes dependem de agentes externos e infraestrutura apropriada
para fazer seus produtos chegarem até o consumidor final. Não é a toa que o
poder do mercado mudou de mãos, passando do produtor ao distribuidor, capaz de
induzir a indústria a produzir o que elas querem.
Aos felizardos que conseguem se estruturar para
preencher esta lacuna, surge o problema da sustentabilidade do negócio, da
gestão estruturada para enfrentar as diversidades do varejo de produtos sociais
que sentem de forma direta a competição dos produtos importados que inundam o
mercado, sem que os representantes do comércio justo consigam construir um
patamar de consumidores conscientes e solidários.
No CENARTESisal não foi (é) diferente. Surge a mesma
dificuldade de se implantar um equipamento com este foco em um contexto
territorial como já apresentado, acrescentando-se ai a necessidade de corpo
executivo capacitado que sustente a evolução e manutenção da estrutura e sua
estratégia inicial de atuação. A aproximação de um agente externo, integrante
do corpo consultivo constante ou esporádico, é uma das soluções encontradas na
tentativa de manter-se uma curva de evolução.
A também aproximação do design como uma ´atividade de
especialista´ com as áreas de gestão e mercado são fundamentais para o sucesso
de produtos artesanais (FORTY, 2007). Pode-se parecer contra censo a relação
entre produtos que permeiam uma economia que prega o justo e respeito ao
social, com o mercado de massa, mas tendência é real da cultura se aproximando
do mercado através do fortalecimento da economia criativa. Para poder competir
com igual força com os produtos industrializados e os importados, faz-se
necessário uma maior profissionalização do processo como um todo.
Este documento tem por objetivo apoiar este processo,
ao passo que sistematiza o histórico de um equipamento de tal importância situado
em uma região de grande potencial produtivo, cujo desenvolvimento depende de um
alinhamento institucional, que se não articulados, acabam desacreditando ações com
a descrita neste documento, com foco estratégico multidisciplinar.
Podemos apresentar o CENARTESisal como um exemplo de
inovação social, criando esta ponte direta entre produtores rurais e o mercado
consumidor. Ainda há muito a se fazer, mas o primeiro passo foi dado, com
segurança de que o caminho escolhido está correto, almejando aqui que esta
trilha seja longa e repercuta positivamente na comunidade sisaleira no
semi-árido baiano.
Referências
BAPTISTA, M.C. (1979).
Desenvolvimento de Comunidade. Estudo de integração do planejamento do
desenvolvimento de comunidade no planejamento do desenvolvimento global. Ed.Cortez&Moraes,
SP.
FORTY, A. (2007). Objeto de desejo – design e
sociedade desde 1750. Ed. Cisac Naify, SP.
GEERTZ, C. (2009). O saber local: novos ensaios em
antropologia interpretativa. Ed.Vozes, RJ.
LIPOVETSKY, G & SERROY, J (2011). A cultura-mundo:
resposta a uma sociedade desorientada. Ed. Cia das Letras, SP.
Download
BESTETTI COSTA, Mario; Designer, Pós-graduado em
Comunicação com Mercado; Instituto de Design Social - IDS
REBOUÇAS LYRA, Rodrigo; Designer Especialista;
Instituto de Design Social - IDS
rodrigorlyra@hotmail.com
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