domingo, 5 de agosto de 2012

Artigo: Cenarte, solução de escoamento de produção territorial


Cenarte: solução de escoamento de produção territorial
Cenarte: solution for disposing of territorial production

Introdução


Um dos principais gargalos das intervenções de desenvolvimento produtivo em grupos artesanais é o processo de escoamento e comercialização. O consenso geral é que isto se deve aos inúmeros intermediários existentes entre o produtor e o consumidor. Embora uma análise mais precisa aponte para uma conjunção de fatores que tornam pouco eficiente o escoamento e comercialização da produção artesanal. Tendo em vista este cenário, na região central do estado da Bahia foi implantada uma estrutura objetivando a abertura e fortalecimento do acesso a mercado aos produtos artesanais do território sisaleiro, o Centro de Artesanato e Arte Popular do Território do Sisal - CenarteSisal.
Este documento visa descrever o processo de planejamento, desenvolvimento e implantação desta estrutura, desde a requalificação de sua função original até a construção participativa do modelo de sua gestão, passando pela identificação, formação e integração dos grupos produtivos, capacitação técnica e desenvolvimento de uma coleção de produtos, reunindo identidade local e apelo de mercado finalizando com a constituição do grupo gestor para manutenção da instituição. Todo este processo foi realizado tendo como base ferramental o design social, que se pôs atento às problemáticas políticas naturais em processos de capacitação de grupos produtivos de base comunitária, porém procurou isenção para a sua atuação.

Objetivo

Este documento visa a descrever o processo de planejamento, desenvolvimento e implantação da estrutura descrita anteriormente, desde sua requalificação até a construção participativa do modelo de gestão, passando pela identificação dos novos grupos produtivos, sua capacitação técnica, o desenvolvimento de uma coleção de novos produtos, finalizando com a constituição do grupo gestor da instituição. Todo este processo foi realizado tendo como base ferramental do design social, que se posicionou isento quanto a problemática política por vezes presentes em processos de capacitação de grupos produtivos de base comunitária. A sistematização deste processo possibilitará o desenvolvimento de metodologias similares em outras regiões que possuam um mesmo perfil sócio-produtivo, facilitando seu caminhar e gerando resultados de forma mais célere.

Contexto Territorial

O CENARTESisal foi criada pelo IDRSisal – Instituto de Desenvolvimento da Região Sisaleira, e está situado na cidade de Valente (BA), a 400km de Salvador, e região referência na produção de sisal no Brasil. Inicialmente foi idealizado e proposto pelo IDRSisal para ser um organismo inteiramente dedicado à consolidação da produção artesanal, como uma alternativa de desenvolvimento sócio-econômico na região, em função da vocação da população local e a importância da sua grande produção de peças artesanais. Cabe aqui uma ressalva onde o termo regional se aplica não só a questões territoriais, onde delimitamos este espaço geográfico através do critério produtivo. (p.32, BAPTISTA, 1979)
Tem também como objetivo maior dar apoio a estruturação do Arranjo Produtivo Local do Sisal e consolidar o artesanato como uma alternativa de desenvolvimento sócio-econômico nos municípios de Valente, Retirolândia, São Domingos, Santa Luz e outros municípios do território do Sisal. Para isto, o CENARTESisal vem a inserir tecnologias para agregar valor ao produto artesanal, contemplando de forma objetiva a capacitação profissional, a intensificação da atividade artesanal, o resgate cultural e artístico, o desenvolvimento produtivo, o aumento do grau de comercialização e a promoção da elevação e inclusão social dos agentes envolvidos. Além de estimular e promover a cooperação regional e transnacional na área do artesanato, através do apoio a grupos, cooperativas e associações de artesanato nas áreas de: organização e aumento da capacidade produtiva; concepção de produtos inovadores, com integração de design; identificação de formas alternativas de escoamento dos seus produtos; e promoção e comercialização do artesanato a nível nacional e transnacional.
Uma constante no perfil dos grupos artesanais é a descrença em projetos e processo de planejamento, aliado a falta de apelo da renda inicial resultante destes processos em tempos de bolsas de auxilio. Novas formas de mobilização se mostraram necessárias levando-nos a buscar referencias nos antigos arranjos de produção locais, modelos de produção que nos remetem a organização pré fordista, tornando o cenário de produção artesanal um laboratório dinâmico e atual de formas organizativas de produção. 
No ano de 2009 o IDRSisal, através de editais do Governo Federal, iniciou um projeto de organização e melhoria produtiva com a inserção de design em comunidades produtivas artesanais gerando benefícios sociais e econômicos. Através disto, criou-se um organismo que fortaleça as relações intra-cooperativas e as relações comerciais com os agentes de mercado externos (regionais, nacionais e estrangeiros), preenchendo a lacuna existente na região de potencializar o acesso a mercado dos produtos existentes na região sisaleira através da implantação de uma estrutura de cooperação entre os atores, onde cada qual tem seu papel no eixo propulsor de desenvolvimento econômico local. Esta intervenção atuou na reunião de artesãos individuais e grupos produtivos de diversas tipologias, introduzindo o processo de contextualização cultural aliada a análise de demanda com a elaboração de coleção e desenvolvimento de novos produtos.
Foi também remodelado a estrutura de showroom do CENARTESisal, situado na entrada da cidade de Valente, possibilitando promoção e comercialização externa para os grupos da região, além de criar um equipamento que potencializa o eixo turístico regional, ainda incipiente. Ferramentas e conceitos de marketing foram empregados na elaboração do layout para que a gestão do espaço se configurasse em um espaço de comunicação e de gestão que refletisse as necessidades de e mercadológica dos produtos expostos. São conteúdos novos no meio e como todo processo de mudança, referenciais iniciais e simbólicos são necessários para marcar e alavancar esta alteração de status quo, e a renovação do CENARTESisal tem também este papel, demonstrando sue interesse em renovar sua atuação para um ator do desenvolvimento regional.

Problemática Inicial

Como todo processo de intervenção em comunidade, parte-se da análise do seu contexto para a realização de um planejamento geral, e nesta análise de contexto, devemos perceber as possíveis problemáticas encontradas, e delas a definição das melhores estratégias de resolução.
No caso do contexto apresentado anteriormente, onde temos uma região cujo contexto histórico-produtivo remonta décadas, também o contexto político se encontra de forma bem presente. Embora em qualquer intervenção de desenvolvimento social, aqui desenvolvimento definido como um processo macro-sociológico, caracterizado por mudanças qualitativas das condições vigentes em uma sociedade (p.15, BAPTISTA, 1979), deva permear as discussões políticas, no seu sentido mais puro da palavra, esta seara tem aqui um peso maior. Principalmente no que concernem as discussões intergrupais, essenciais para a ampliação dos resultados em um nível territorial.
A ação de consultoria junto ao CENARTESisal procurou permear por este tema de forma indireta, acreditando que as ações devem acontecer no âmago da questão sócio-produtiva, para assim não se perder nas mudanças políticas e partidárias. Com isso evita-se um maior envolvimento, ou como o psicanalista Heinz Kohut conceituou, buscou-se a “experiência-distante”, onde não se aprofunda nas ´miudezas´ deste emaranhado de relações. (p.88, GEERTZ, 2009)
Com o não envolvimento nas discussões das questões políticas regionais, procurou-se reforçar a existência de uma falta de interlocução entre as entidades representativas no território, e com isso um enfraquecimento dos resultados esperados nas diversas ações realizadas, outro problema encontrado e descrito mais abaixo. A falta de interlocução pôde ser amenizada através da inserção de um agente externo, não-nativo, e cujo papel principal é de desenvolvedor de um quadro produtivo eficiente.
O designer entra neste processo com um papel que vai além do de desenvolver produtos, e passa agora a fortalecer relações, relações estas essenciais para o fortalecimento produtivo deste território, e aqui considerando a definição de Weber, que se apóia sobre um ajuste de interesse motivado racionalmente (p.47, BAPTISTA, 1979) embora levando-se em conta a importância da questão subjetiva e o contexto cultural inerente àquela determinada comunidade.
No decorrer das intervenções, pode-se observar que diversas outras iniciativas se apresentavam de forma a haver uma superposição de atividades, estas, na maioria das vezes, similares o que ocasionava um desgaste junto às comunidades produtivas por só receberem benefícios de capacitação, concentrando apenas no saber e não no produzir. Percebe-se ai também uma falta de interlocução institucional em um nível estadual e nacional, pois são ações provenientes de órgãos do governo estadual, através das secretarias de desenvolvimento social, e do governo nacional, através dos editais de fomento social e produtivo, aos quais as cooperativas individualmente podem ter acesso. Algumas destas ações focam especificamente no melhoramento produtivo objetivando a inserção mais eficiente deste tipo de produto no mercado (SEBRAE, 2006; CIAGS, 2011). A questão que nos deparamos é se estas ações são eficientes ou apenas ilusórias, ao crer que o mercado por si criará uma consciência da qualidade e do valor destes produtos, ainda mais quando elas concentram-se apenas no implantar conhecimento produtivo nas comunidades.

Papel do Design Social

O designer é por vezes visto e aplicado na conversão de idéias e requerimentos de mercado em forma física (PUERTO, 1999), onde o processo de inovação de produto fica evidente. Em um contexto mais contemporâneo o design tem sido aplicado na geração de idéias e ações que auxiliem no desenvolvimento social, seja através do uso mais consciente dos recursos de meio ambiente, seja pela conscientização pelo produtor do processo de desenvolvimento produtivo. O designer nestes processos deve atuar também como catalisador processual e agregador.
Com seu papel na maioria das vezes linear, o design deve flexibilizar-se para atender as inconstâncias da subjetividade de uma comunidade, conscientizando-se de que o resultado final será uma variante de sua intenção, e de que a comunidade deve absorver as propostas no ´seu tempo´.
O resultado do processo de intervenção em comunidades produtivas gera, além do beneficio de integração sócio-econômica, a geração de novos produtos. Estes, que aqui denominamos de produtos sociais, sendo produtos desenvolvidos em regime associativo ou cooperativo, com raízes na cultura local e seguindo conceitos de respeito a natureza e responsabilidade social, inerentes aos conceitos de Comércio Justo e Economia Solidária.
O design social surge com este olhar maior na relação processo-indivíduo, apoiando também no planejamento estratégico inicial e na sistematização do processo. No CENARTESisal, na etapa de definição estratégica inicial, foram levados em consideração os seguintes pontos: Entendimento do contexto; Comprometimento mútuo; Foco territorial; Diminuição da distância com o mercado; Processo de renovação produtiva constante. E durante todo processo de desenvolvimento das atividades de campo, foi, o designer, mediador de conflitos e delineador dos desvios do caminho traçado inicialmente. Não tão somente pelo fato de ser o detentor da expertise técnica, mas também por ser um agente externo e capaz de ter um olhar “distante”.

Desenvolvimento das Ações de Reestruturação / Estratégia adotada

Houve no processo de implantação do CENARTESisal quatro fases definidas inicialmente pela equipe de trabalho, sendo a primeira de estudo preliminar e análise diagnóstica, seguido da fase de planejamento participativo, da fase de implantação e capacitação, e da fase de acompanhamento e monitoramento. Nestas fases, ações foram executadas de forma tanto linear como sobreposta, a depender da necessidade de reforço de algum dos objetivos de cada etapa, sempre de forma a democratizar a circulação de informação, onde todos possam ter acesso aos objetivos desejados, bem como criando momentos de alinhamento para etapas posteriores.
A inserção dos elementos de identidade regional foi trabalhada logo de início, fortalecendo o vinculo existente entre produto e identidade cultural, hoje não só um agregador de valor de mercado, demonstrado pelo ´formidável desenvolvimento da dimensão econômica da cultura´ (LIPOVETSKY, 2011) através do fortalecimento do conceito de industria cultural.
Na fase de planejamento, iniciou-se a discussão sobre qual o melhor modelo de gestão para o CENARTESisal, através de reuniões temáticas e com a participação (ou pelo menos o convite para) de representante das associações produtivas da região, e que fariam parte deste processo de reestruturação. No modelo discutido e evoluído, definiu-se pela criação de um Comitê Gestor do equipamento, composto por representantes dos grupos e do IDRSisal. Este comitê faria a gestão do negócio e definiria sua operacionalidade, seguindo um estatuto discutido também de forma participativa e apoiado por um Conselho Consultivo formado por representantes de instituições apoiadoras e financiadoras com ação regional.

Conclusão

A necessidade de equipamentos que facilitem e potencializem o processo de escoamento de produtos sociais é um dos principais gargalos do desenvolvimento de associações e cooperativas artesanais e agro artesanais, pois estes dependem de agentes externos e infraestrutura apropriada para fazer seus produtos chegarem até o consumidor final. Não é a toa que o poder do mercado mudou de mãos, passando do produtor ao distribuidor, capaz de induzir a indústria a produzir o que elas querem.
Aos felizardos que conseguem se estruturar para preencher esta lacuna, surge o problema da sustentabilidade do negócio, da gestão estruturada para enfrentar as diversidades do varejo de produtos sociais que sentem de forma direta a competição dos produtos importados que inundam o mercado, sem que os representantes do comércio justo consigam construir um patamar de consumidores conscientes e solidários.
No CENARTESisal não foi (é) diferente. Surge a mesma dificuldade de se implantar um equipamento com este foco em um contexto territorial como já apresentado, acrescentando-se ai a necessidade de corpo executivo capacitado que sustente a evolução e manutenção da estrutura e sua estratégia inicial de atuação. A aproximação de um agente externo, integrante do corpo consultivo constante ou esporádico, é uma das soluções encontradas na tentativa de manter-se uma curva de evolução.
A também aproximação do design como uma ´atividade de especialista´ com as áreas de gestão e mercado são fundamentais para o sucesso de produtos artesanais (FORTY, 2007). Pode-se parecer contra censo a relação entre produtos que permeiam uma economia que prega o justo e respeito ao social, com o mercado de massa, mas tendência é real da cultura se aproximando do mercado através do fortalecimento da economia criativa. Para poder competir com igual força com os produtos industrializados e os importados, faz-se necessário uma maior profissionalização do processo como um todo.
Este documento tem por objetivo apoiar este processo, ao passo que sistematiza o histórico de um equipamento de tal importância situado em uma região de grande potencial produtivo, cujo desenvolvimento depende de um alinhamento institucional, que se não articulados, acabam desacreditando ações com a descrita neste documento, com foco estratégico multidisciplinar.
Podemos apresentar o CENARTESisal como um exemplo de inovação social, criando esta ponte direta entre produtores rurais e o mercado consumidor. Ainda há muito a se fazer, mas o primeiro passo foi dado, com segurança de que o caminho escolhido está correto, almejando aqui que esta trilha seja longa e repercuta positivamente na comunidade sisaleira no semi-árido baiano.

Referências

BAPTISTA, M.C. (1979). Desenvolvimento de Comunidade. Estudo de integração do planejamento do desenvolvimento de comunidade no planejamento do desenvolvimento global. Ed.Cortez&Moraes, SP.
FORTY, A. (2007). Objeto de desejo – design e sociedade desde 1750. Ed. Cisac Naify, SP.
GEERTZ, C. (2009). O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Ed.Vozes, RJ.
LIPOVETSKY, G & SERROY, J (2011). A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Ed. Cia das Letras, SP.
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BESTETTI COSTA, Mario; Designer, Pós-graduado em Comunicação com Mercado; Instituto de Design Social - IDS

REBOUÇAS LYRA, Rodrigo; Designer Especialista; Instituto de Design Social - IDS
rodrigorlyra@hotmail.com

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